— Ouvir dizer que te
achavam no rosto aquela magia de nascer do dia e a melancolia quieta do sol-posto.
Não posso dizer que essa magia seja feitiço que me obriga a achar tudo isso. Também
ouvi dizer que a beleza das coisas está nos olhos de quem observa. Se é cliché,
ninguém sabe ao certo porquê. Mas é uma falta de explicação que enerva. O que
me interessa o que dizem do teu rosto se o que vale para mim é aquilo de que eu
gosto?
— Ouvi dizer que
achavas o meu rosto horrível, uma coisa de monstro insensível. Se os teus olhos
são cegos, como és capaz de julgar aquilo que eu posso ser se nem sequer me
consegues ver?
— Os olhos não nos dão
a melhor perspectiva de uma pessoa. Uma face bonita não veste sempre uma alma
boa.
— Sim, já sabemos que
as aparências podem enganar e que não enganam apenas o olhar.
— Pois não. Também
enganam o coração.
— Mas, então, em que
ficamos? Todos os feios são monstros e só os bonitos são humanos?
— Nada de tão errado. Isso
é um raciocínio apressado. Os monstros não são sempre terríveis nem os humanos são
sempre sensíveis. Apenas sei que a aparência engana o olhar como se não
fôssemos capazes de enxergar. Os meus olhos não são. Tenho apenas aquilo que os
outros sentidos me dão.
— Mas e aqueles que
conseguem ver? O que hão-de fazer? Se desconfiarmos do olhar, em qual sentido
devemos confiar. O olfacto engana-nos da mesma maneira que o tacto. Ambos recorrem
à memória imprecisa dos acontecimentos que são recordados consoante a importância
dos momentos. E o paladar, mesmo que seja difícil de enganar, é um sentido fácil
de subornar. E tu, que não vês, se desconfiares assim de cada sentido, resta-te
apenas um para evitar que o mundo fique escondido. Vais confiar na audição? De onde
te vem essa convicção?
— Se queres saber, ouvi
dizer.
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