quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

o espírito livre

Sou um espírito livre; uma essência eterna que, como outras iguais, vagueará para sempre, de corpo em corpo, na eternidade da mente.
Fui peixe que sabe o que é viver sob dois céus; um de água, outro de ar. Fui pássaro que sabe o que é estar no céu sem lhe poder tocar. Fui animal que sabe o que é ser presa e predador. Fui arbusto que sabe que nunca será robusto como uma árvore nem delicado como uma flor. Fui rio que sabe que nunca voltará a nascer sempre que morrer no mar. Fui rochedo que sabe o que é preciso para ser forte e perseverar.
Orgulho-me de tudo o que fui em cada existência que passou; precisei de ser homem para me envergonhar do que sou.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

a palavra é uma espada partida

A poesia é uma regra quebrada
Não deixa que a razão tome conta de nada
Faz o que quer
É coração de mulher

E depois estraga-se
Apaga-se
Como se tudo fosse igual
Sem diferença entre bem e mal

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

beijo na boca

ilustra: Manuel Alves


Beijo na boca é coisa pouca para uma vontade louca. Beijo na boca não é só bom, é necessidade de tocar com as pontas dos dedos, sem medos, com música a sair do peito, numa corrida de sonhar o que ainda não foi feito, ao som do coração.
Não é de ter vontade? Não é de querer dar?
É uma resposta que merece sempre a verdade. E a resposta deve ser sem palavras, apenas e só, beijar.
Mas só um beijo? Isso não chega para o desejo. Dois? Só se houver um terceiro depois. Um beijo só nunca mata a fome. Um beijo só deixa-nos na vontade. E isso é uma maldade. Assim… é a vontade que nos come.
Beijo na boca é terra e mar que se querem encontrar. É céu e terra sempre afastados, mas que se tocam onde o horizonte encerra, nessa linha distante, onde o olhar se fecha, e o celestial e o mundano se encontram nesse abraço onde tudo se deixa.
Deixassem as pessoas assim tanto. Fossem assim tão necessitadas de coisas que sabem bem. Necessitadas até são, mas afastam-se todas, cada uma para o seu canto, mesmo necessitadas como ninguém.
Para quê ser assim? É pergunta que cada um responde como sabe. Não é resposta que alguma vez se acabe. É uma viagem sem fim.
Mas… e beijo na boca quando se quer? Isso existe? Não será apenas uma teimosia em que se insiste? Não será o delírio de outra realidade qualquer?
Oh, beijo na boca a partilhar calor! A dar vontades que preenchem todas as realidades. A fazer promessas de tudo e o que mais for, para além de quaisquer mentiras e verdades.
Beijo na boca é dar e receber. É querer. Beijo na boca é pedir e aceitar. É beijar.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

o livro papagaio

Oh, tivesse eu um livro para fazer de papagaio para fazer de imaginação para fazer de papel. Era vê-lo passear nas costas do vento, sem pedais nem volante nem espelhos nem assento. Ia ser um virar de página que era terra que era erva que era lençol de rio a desfiar palavras, fio a fio. E eu, um menino encantado, de livro nos joelhos, a ler sonhos de novos e velhos como se tudo fosse ali inventado.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

olá

foto: Manuel Alves

Sou o príncipe canalha das marés altas, em caravela pirata, que ataca, pilha e mata. Nem vasos de guerra, nem fragatas reais, nem armadas invencíveis e outros adversários mortais; diante dos meus canhões e pontaria que não erra, são todos insignificantes, anões, perecíveis e deitados por terra. Não me chamam pelo nome os metais nobres, nem as pedras preciosas, nem as obras de arte mais valiosas. Sou o ladrão de esquecimentos, roubo corações e sentimentos, moças pouco amadas e mulheres mal casadas. Dou ordens ao vento, que me agarra a lona das velas, sempre que é preciso fugir, na pressa do momento, das mulheres e dos maridos delas.