imagem: Manuel Alves
Olá, o meu nome é Ana Maria e tenho leucemia. O
meu nome completo é Ana Maria Faria Pequenina. Mesmo Pequenina, porque é o último nome do meu pai apesar de ele
não ter nascido menina. De onde veio, não me perguntem, não sei. É o meu nome e
foi sempre assim que me chamei. Sempre não
é muito tempo. É o tempo todo que aguento. O meu sempre tem seis anos e quatro meses. Quando as pessoas me visitam
perguntam-me de todas as vezes. É desde que nasci. Só o tempo que vivi.
A minha mãe chora sempre que se deita ao meu lado,
na cama. E depois sorri. Diz-me “vou
ficar só mais um pouquinho aqui.” Limpa o nariz, finge que está feliz e diz
que me ama.
Havia uma senhora que me visitava duas vezes por
dia. Ficámos amigas e eu até já lhe chamava tia. Era uma senhora engraçada e
aparecia sempre animada. Também tinha leucemia mas escondia. Pensava que eu não
sabia. Dizia-me coisas engraçadas acerca do transplante de medula. Uma vez
contou-me uma história divertida em que havia uma menina que era um biscoito e
a leucemia era um bicho-papão com gula.
Era uma senhora engraçada. Fazia-me rir. Estou
preocupada. Deixou de vir.
O senhor doutor é muito amável. Nunca o ouvi dizer
a palavra incurável. É capaz de a ter
dito aos meus pais. Mas eu não preciso de saber mais.
As enfermeiras são todas boazinhas. Dizem-me
sempre olá a fazem-me festinhas. Uma vez, uma sentou-se na beira da minha cama,
pegou-me na mão e chorou. Ouvi depois comentar que ela também tinha uma menina
como eu que não se curou. Chorei por causa dela sem ninguém saber. Não era para
se dizer.
Hoje, a minha mãe trouxe-me um bolo de aniversário
com duas velas. Ri-me da diferença de tamanho delas. Uma era normal e tinha um seis escrito. A outra era desigual, mais
pequena e com um quatro, e faziam um
par bonito. A minha mãe canta-me os parabéns todos os meses, no dia em que
nasci. Sopro as velas e ela dá-me um beijo. Depois sai do quarto, para chorar
onde eu não vejo. Quando chegar o dia de fazer sete anos sei bem que já não
estarei aqui. Soprei as velas e sorri.
12 comentários:
Um texto muito realista e comovente, a fazer-nos lembrar que "justa", não é a palavra que melhor descreve a vida...
Olá, dragonisa. :)
Porque é que o universo não fez as crianças imortais?
Pois... o Universo pode não ser perfeito...
deve haver uma lógica qualquer que nos escapa. só mesmo pensando que vão para um sítio melhor... o que fazer?
foi por causa de uma menina assim que me inscrevi para dar medula. estive imenso tempo à espera porque havia muita gente que queria ajudar. mas a menina foi para o tal sítio melhor antes de encontrar dador compatível...
já me chamaram uma vez para fazer testes, mas passado algum tempo enviaram-me uma carta a dizer que a pessoa com quem eu era compatível não estava em condições de receber o transplante. talvez um dia...
É um facto...somos pequenas histórias na curta passagem do tempo...esta foi uma pequena corajosa e sorridente. A melhor forma para desafiar as pedras de um caminho misterioso..
É desta bravura que se conhecem os heróis, a sua honra não está na duração da sua vida, mas na forma intensa e corajosa de como vencem as suas lutas..
Um texto...não direi bonito (ainda que seja), direi apenas o que sinto, que nos obriga a lembrar que viver cada dia é de facto uma vitória, e merece ser respeitada e saboreada honestamente...;)
:)
carpe vitam!, perante a incerteza do futuro, há uma coisa a fazer: carpe vitam: ;)
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Carla, as palavras simples mostram-nos aquilo que as coisas são: simples, até ao dia em que apanhamos só obstáculos no caminho e, a partir daí, tudo passa a ser complicação. Ainda assim, mesmo numa sucessão de obstáculos, é possível encontrar pequenos intervalos pelo meio. ;)
isso, sempre! e tentar contagiar toda a gente com boa disposição!
Tentar fazer algo por estas crianças e qualquer outra pessoa que precise. A histo-compatibilidade entre pessoas que não são da mesma família é muito rara, mas acontece. E quantos mais dadores houver, maiores são as probabilidades. Para além dos centros de Lisboa, Porto e Coimbra, costuma haver campanhas anunciadas no site e por vezes também é possível fazer o registo nas campanhas de colheita de sangue. é só preciso ter vontade e procurar a informação.
Deixo aqui uma sugestão de leitura sobre o tema numa abordagem bem-disposta e positiva: http://www.livrosdeontem.pt/editora/autor.php?autor_id=64
Eu não estou inscrita em nada para dar nada...Devo sentir-me mal,eu sei!
Não gosto deste tema.É o meu ponto fraco (o único)!Fico deprimida e,como sabemos,uma mulher deprimida é um caso sério.
Gosto da PEQUENINA!
:)
Olá, tilida5ever: :)
A pequenina é uma valente. Sofre as dores todas e diz que não as sente.
Não sei se vou conseguir ler este conto Manuel Alves. Nenhuma mãe deveria de passar pelo sofrimento de ver os filhos gravemente doentes ou morrerem. O meu menino vai fazer precisamente 6 anos este mês. Tem sido saudável. É uma bênção sem preço.
Olá, Luísa. :)
Os pais que sobrevivem aos filhos são, talvez, uma das maiores injustiças do Universo. Felizmente a ordem natural prevalece com maior frequência. Este texto é um tributo à coragem de todos os que passaram pela tragédia ou foram, de algum modo, tocados por ela. E, como não podia deixar de ser, termina com um sorriso. :)
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