quinta-feira, 7 de agosto de 2014

dentro de mim

 imagem: Manuel Alves

Dentro de mim, há um vazio que me consome dias a fio. E depois passa, quando me lembro que a duração da vida é escassa. Mas o vazio regressa outro dia qualquer. Parece que não há nada que o impeça de me roubar tudo o que quiser. Porque o vazio sou eu, a memória de tudo o que se perdeu. E também o medo daquilo que nunca será, a negação de todos os sonhos que o futuro não realizará.
Mas esse buraco, por mais profundo, não é garganta capaz de engolir o mundo. O mundo é uma ideia maior, a soma de tudo possível. Um dia, encontra-se amor e o buraco fica invisível. Pode até continuar lá, mas deixa de ser aquela coisa má. É uma dor que se tolera em vez do sofrimento que desespera. Porque o afecto é essa imensidão que só cabe no coração. Nenhum buraco tem fundura suficiente para engolir tudo aquilo que a gente sente.
E nós sentimos universos infinitos, existências inteiras imortalizadas em todos os livros escritos. Somos pessoas. Experiências más e boas. Somos pedaços do milagre incompreensível que permanece mistério indizível. Somos descendentes de alguma estrela perdida, que se extinguiu para lhe herdarmos a vida. Um desperdício na escuridão do espaço, que nunca será sacrifício vão enquanto houver um abraço.
Talvez seja isso que nos salva. O dar a mão. O ter coração. Acreditar na alma.
Comecei a falar de mim e agora falo de nós. O buraco tapa-se assim, preenche-se o vazio com a voz. O som de tudo o que somos e a firmeza do que fazemos. A recordação de tudo o que fomos e a incerteza do que seremos.
Os buracos são aquilo que perdemos e também aquilo que temos. São como nós, que começamos pequenos e depois crescemos. A nossa sorte é sermos sempre maiores, mesmo em comparação com os buracos piores. Somos o universo inteiro comprimido numa partícula de matéria impossivelmente densa. Cada um de nós é mais resistente do que pensa.